27.1.09

_o homem que decidiu desistir

a garrafa vazia e jogada ao chão
reflexo introspectivo da alma humana
o calafrio que a escuridão emana
e o olhar vazio d'um que nunca cantará outra canção

terá perdido a razão ou um alguém querido?
confiando suas palavras a ele próprio como numa oração
mas dentro de seu peito ainda reside um coração
saltitando e machucando com o saber de que ainda está vivo

buscando na escuridão de seu lar uma saída
vacilando mais uma vez, sabendo que não há ninguém por lá
tão solitário a ponto de não querer que a dor se vá
o barulho de mais uma garrafa recém caída

existência é como uma chama, precisa de ar para queimar
não se pode ser, sem algo já estar sendo
os laços da sua vida se emaranham n'outros que estão vivendo
mas para alguém que não sente mais, porque se importar?

não está sofrendo para chamar a atenção
colocado contra a sua própria vontade em uma prisão sentimental
porém o tempo é cruel e nos faz condicentes por meio de nossa deformidade mental
sua busca não é para finalmente adquirir alguma espécie de perdão

somos seres de carne, osso e pó, sofrendo e nos amargurando
os corações endurecem e ficam como pedra - duros e gelados
o desejo compulsivo e obsessivo de ver todos os seres derrotados
ser o último a fechar os olhos, presenciando tudo, se vingando

o que esperar de um homem sem nada a perder?
ele não quer ser perdoado por nada, tudo é como seria
cada ação, cada palavra e cada atitude, ele agiu como queria
em um mundo torpe tudo o que ele sabe é sofrer

outra garrafa vai de encontro ao chão, mas com ódio
o estardalhaço traz consigo o choro de um bebê e o pranto de um desistente
uma cena triste e humilhante para alguém d'antes visto como resistente
pensamentos a mil, sem rosto, sem imagens, anseiam por uma morte com sabor de ópio

pelo menos ele vai parar de sofrer, enfim ele vai viver
conformista? talvez, mas ninguém pode negar a sua razão
temos outros pontos de vista, outras maneiras de interpretar a ilusão
sempre é difícil crer em algo que não se pode ver

Click, clack, bum.

Um comentário:

Unknown disse...

Esse escrito me lembrou de uma confissão feita por Heine que Freud gostava muito!
"Mine is a most peaceful disposition. My wishes are: a humble cottage with a thatched roof, a good bed, good food, the freshest milk and
butter, flowers before my window and a few pine trees before my door."
"And if God wants to make my happiness complete, he will grant me the joy of seeing some six or seven of my enemies hanging from those trees.
"Before their death I shall, moved in my heart, forgive them all the
wrong they did me in my lifetime. One must, it is true, forgive one's
enemies -- but not before they have been hanged." ( Heinrich Heine 1797 - 1856 )

O ser humano realmente possui uma patologia das garrafas caindo juntado ao prazer de ser o último a fechar os olhos; o sentimento doentio do "pelo menos não foi comigo". Tal patologia é uma prisão e nem os pensamentos em tal situação são livres, todos condicionados ao meio.

Excellent Gus!