7.5.10

_ eu, feto

___Já desde feto, minha mãe tinha a mania de conversar comigo por horas a fio sem pensar – sem pudor. A única coisa que fica claro, para mim, nisso tudo é que as conversas perduravam por longíssimos minutos, apenas pela minha inabilidade de replicar qualquer uma de tantas reclamações e tópicos entediantes. Essa relação maternal, que eu carrego como Jesus – ainda não Cristo – carregou sua revolta silenciosa contra um Pai desalmado que insistia e teimava na exigência de que seu filho deveria ser como ele, um deus, mesmo que contra sua vontade, é uma maldição. Só pode ser isso, afinal a mãe de ninguém deveria ter impulsos sexuais, – se os tiverem que sejam punidas – mas acredito que os nove meses como obesa e a dor do parto equilibram o karma do universo erótico. Provavelmente essa segregação lógica que ocorre entre eu e minha mãe é destino, como ela mesmo já teria dito, ou , por sermos totalmente oposto um ao outro, um contra-destino e, como eu mesmo disse uma vez, o melhor seria nos apartarmos de vez. O único porém é que mãe gruda mais que cocaína velha em cartão de crédito estourado. Mas voltando ao feto, imagino como seria se eu pudesse responder a tantas perguntas jogadas ao ar, para que ninguém as respondesse propositalmente.

_____MÃE – Eu não vejo a hora de você nascer...

_____FETO – Só pra se livrar do peso ou por certa curiosidade insaciável?

_____MÃE – Você fala?!

_____FETO – Depende. Você me ouve?

___O susto é tanto, ainda mais se tratando de um ser ‘mãe’, que apenas o balançar positivo da cabeça é dado como resposta.

_____FETO – Sim ou não? Eu falo, mas meus olhos ainda não se formaram.

_____MÃE – Ouço...!

_____FETO – Que bom, porque eu tenho muito pra responder.

_____MÃE – Responder? Eu não entendo...

_____FETO – Sabe de uma coisa? Você me parecia bem mais normal antes deu falar contigo.

_____MÃE – Desculpa... Não é sempre que eu falo com a minha barriga.

_____FETO – Barriga?! Sou eu, seu filho!!!

_____MÃE – Guilherme?!

_____FETO – Quê?! Esse vai ser o meu nome?!

_____MÃE – Eu... Eu... Ah!...

___Um desmaio e vinte minutos depois.

_____MÃE – Ai!... Minha cabeça. O quê...?

___Naturalmente, a primeira reação de uma mãe seria acariciar o seu ventre, sorrir e suspirar aliviada, claro. Mas não a minha mãe. Sem pensar nas conseqüências, ela cai de joelhos no primeiro espaço plano que encontra e dá início a uma bateria de orações.

_____FETO – Ei! Será que você pode conversar com seu amigo imaginário um pouco mais baixo?

_____MÃE – Você! Você é de verdade! É o demônio vivendo dentro de mim!

_____FETO – Pô, sem descriminar! Eu não tenho nem um dia de vida pra você me julgar desse jeito.

_____MÃE – Então, você é mesmo meu filho? O meu Guilherme?

_____FETO – Filho eu sou. Sabe como é, cada um tem o que merece. Agora, Guilherme? Guilherme é o caralho.

_____MÃE – Shiu! Que boca suja, menino! Mas do que você quer que eu te chame?

_____FETO – Hum... Gustavo, não. Rafael! Não! Deixa como Gustavo mesmo.

_____MÃE – Então, Gustavo, porque resolveu vir falar comigo assim, de repente?

_____FETO – Curiosidade e um pouco de tédio...

_____MÃE – Ai, que legal! E me conta, como você vai ser?

_____FETO – Eu sou um feto e não uma concha de jogo de búzios.

_____MÃE – Ah...

_____FETO – Decepcionada?

_____MÃE – Um pouco pra ser sincera.

_____FETO – Pois acostume-se. Aliás, você não deveria me amar do jeito que eu for?

_____MÃE – Pra quem veio responder as minhas perguntas você questiona demais.

_____FETO – Que eu saiba a adulta aqui é você.

_____MÃE – Mas nem todo adulto é maduro.

_____FETO – Ah! Aposto o que você quiser que nunca vai voltar a falar isso quando eu nascer.

_____MÃE – Quer apostar mesmo?

_____FETO – Opa!

_____MÃE – E o que um feto tem a oferecer?

_____FETO – O mesmo que a consciência de uma mãe que fala e aposta com o seu feto.

_____MÃE – Tô começando a achar que gostava mais de você quando estava quieto.

_____FETO – Espera mais um meses e a tendência só é piorar.

_____MÃE – Que horror! Eu sempre sonhei que você seria um filho direito.

_____FETO – Eu to meio pra esquerda do seu útero... Mas isso que dá esperar demais dos outros.

_____MÃE – Mas você não tem vontade de estudar, trabalhar e criar uma família um dia? Sabe, pra ser alguém na vida...?

_____FETO – Não. Eu vou esperar um pouco e casar com uma mulher bem rica pra me sustentar. Igual você me confessou outra noite, quando disse que ia largar o meu pai.

___É, seria uma conversa e tanto.

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