31.5.10

_ Eu nunca vou ser o queridinho da mamãe

___Eu nunca vou ser o queridinho da mamãe, e nem sempre é por caminhar no sentido oposto. A questão é muito mais complexa do que só uma opção de vida na adolescência. Eu nunca vou ser o filho preferido de fato consumido por uma única razão: sempre querem o cacho. Exatamente, ninguém se satisfaz com bananas. Independente de quão cheios e incapazes de ingerir qualquer espécie de alimento, as pessoas querem cachos inteiros. Não sou, nem nunca serei, do tipo capitalista que não quer dividir as bananas do meu cacho com os outros, mas até aí entregar todo o meu cacho nas mãos descuidosas de outra pessoa é insanidade. Primeiro que aqueles que exigem o seu cacho, nem pensam em sequer emprestar uma de suas bananas a você. Claro que não. São aqueles que exigem exacerbadamente de atitudes quase divinas de você quem nunca pensarão em estar no seu lugar, afinal a verdade é que eles temem ser um dia o centro dos requerimentos alheios. Enfim, eu nunca quis ser o queridinho da minha mãe, mas também nunca achei que negar mimos diários e sem fim fossem me levar a total negação de qualquer aprovação positiva durante toda a minha vida. Quantas vezes eu deixei de lado minhas convicções e meus ideais para tentar alegrar aquele rosto choroso e entristecido de minha mãe? Porém, quantas vezes eu recebi o mínimo de agradecimento por tais atos, que, a meu ver, são verdadeiros milagres pessoais? A verdade é que minha mãe nunca entendeu o ato de "dar algo". Dar, como a palavra mesma diz, é entregar algo à alguém sem que se espere por algo em troca. Pois bem, partindo desse princípio, eu dei muita coisa para minha mãe, mas ela só me emprestou tudo aquilo que eu achei que ela havia me dado. Cada presente, cada regalo, tudo que me era "dado" não passava do prenúncio de algo horrível que estava por vir. Claro que, para ser justo, devo dizer que pouquíssimas foram as vezes que ela me confrontou fisicamente, e mesmo quando o foram, acho que no fundo ela nem imaginou que conseguiria me ferir de verdade - aliás, é um fato que ela pronuncia com muito orgulho: "nunca relei um dedo em você". Mas todos nós, pessoas com o mínimo de capacidade mental, sabemos que os danos maiores são os psicológicos, pois para esse ainda não inventaram o mertiolate e o bandaid. Eu não quero ficar me bajulando com todos meus traumas e inaptidões ocasionadas pela falta de senso maternal, mas é quase inevitável falar deles quando falo de mim. Como dizia, toda essa filosofia do dar e emprestar me levam aos problemas que persistem até hoje na minha relação com esta senhora de tanto gracejo para outros e de tão pouca aptidão para mim. A exigência do mais.
___É fato que somos seres humanos e por isso cometemos erros e somos limitados em vários aspectos, cada um em sua própria falha; mas como pode minha mãe achar que apenas ela carrega a cruz da inadequação? Simples, a exigência do mais. Talvez fique mais claro se eu explicar desta maneira rápida e simples: quando você estava na sexta série do ensino fundamental e tirava nove ou oito em alguma prova de matemática, qual era a inescrupulosa resposta que recebia logo que mostrava o boletim a sua mãe? Você poderia ter feito melhor. Como isso me deixa amargurado! Fazer melhor? Faça você a prova para mim então, afinal eu alcancei meus objetivos e estou feliz com isso. Mas aí é que está, ninguém fica feliz quando alguém alcança suas próprias metas, as pessoas só sabem sorrir quando alguém alcança metas que elas mesmas colocaram na vida alheia. Tudo que minha mãe sabe pedir é mais, mais e mais - de mim é claro, pois dos outros ela tem pena. E é essa exigência do mais que faz toda a relação um verdadeiro inferno! Nunca imaginei que aos meus vinte e poucos anos estaria sentindo palpitações disritmadas no coração, chegando a pensar que a Dona Morte estaria ali batendo a minha porta. Não ser o queridinho da mamãe tornou-se, para mim, a grande batalha entre a vida e a morte, entre a sanidade e a loucura. Mas a verdadeira tristeza que sinto, além do fato de nunca agradar minha mãe por ser eu mesmo, é que uma pessoa que viveu tantos anos mais que eu e deveria, em teoria, reter um conhecimento milhares de vezes mais vasto que o meu, ainda se apega a pequenos preconceitos superficiais e toma decisões extremamente profundas baseada nessas mesmas teorias tão fálicas. Eu não sou o queridinho da minha mãe, pois eu exijo de mim apenas o que eu posso alcançar.