4.12.08

_do fundo do oceano

Tantas histórias, passagens, para contar. Fábulas perdidas em mares nunca d’antes navegados – faltam-me palavras próprias que enxuguem meus olhos e acalmem minha euforia nostálgica. Lutas, derrotas, fatos – mentiras (, talvez).

Frases prontas, formadas, tornam-se velhas amigas e (certo tipo de) autoflagelação – sob o olhar distante da minha insegurança. Todavia, ao recordar-me do passado tenho em mente os anjos – querubins astutos e desocupados – que sobrevoavam com imponência os meus caminhos, minhas escolhas – alheios aos meus passos, observavam apenas o caminho. Velho e doente me tornei por causa deles, meninos alados que não são meninos, nem meninas – porque haveriam de “ser”? - que teimavam em opinar nos caminhos que escolhi percorrer. Trouxeram, para mim, angústia e desolação – solidão. Abatido eu me tornei e os cruéis seres das sombras sabiam o que fazer. Monstros cruéis e escarnecedores, mutiladores desprezíveis dos sonhos que não me lembro mais – demônios. Cantarolando cânticos profanos, atormentando minh’alma doente.

Diante do absurdo da minha consciência espiritualista e senil, o céu continua azul.

E o mar? Inúmeras vezes eu tentei sair do mar, mas o mar nunca quis sair de mim. Ele permanece eterno sobrevoando a imensidão de um mundo submerso, desconhecido – até mesmo para este velho lobo do mar. O toque suave da marola e a violenta tempestade abatendo os corações de mães viúvas e filhos órfãos. O mar tende a me fazer perder o fôlego e a razão, me faz fugir do assunto e delatar todos os seus atos majestosos sobre a terra.
Quantos tesouros estarão escondidos? Quantos homens foram em busca do brilho de pedras preciosas e não voltaram mais? Assim trouxeram a discórdia e a desilusão de uma paisagem tão falsa, tão irreal. São pobres diabos, porque não haveriam de ser? Lançam aos tubarões tudo aquilo que têm, em busca de esperança – do tipo que se compra. São aventureiros de corações solitários. Lembro-me de um marinheiro – amigo antigo, foi-se o tempo – que dizia: Ser só e ser solitário são coisas completamente opostas. Posso muito bem estar sozinho, mas não me sentir solitário.

“Terra à vista!”

Malditos sejam os gajeiros e seus olhos de águia – vêem com eficácia terras e barcos a milhas de distância. Mas minha realidade é outra. Enganei-me todas as vezes que ouvia os gritos do cesto de Gávea. Procurava refresco, um pedaço de terra – nem que uma ilha – para deitar a cabeça e descansar os pés sem sentir a leve e discreta maré nauseante, mas só encontrava mais motivos para suspirar de desgosto. Nasci homem do mar, filho de homem do mar e por isso me faltam tantas cousas, principalmente sorte. Nunca conheci um adepto tão crente em sua má sorte, como eu. Pessimismo é para os fracos, eu relato aquilo que tive de viver – relato com sabor azedo e textura áspera.

Pode ter um homem do mar esperanças de encontrar outras histórias para viver? Outras lamúrias para chorar, outras desgraças para murmurar? Terei eu o ombro d’uma outra mulher a se amar? Sozinho, louco e deixado para trás como um animal sentindo o êxito da morte sobre ele, afastando-se da manada para não causar problemas maiores do que eles já têm. Mas você não me via como um problema, não é mesmo?

Infinitas foram, e hão de ser eternamente, as vezes que me ajoelhei perante os deuses para implorar que trouxessem você de volta a mim. Porém são deuses a quem eu rogo, e deuses são assim, omissos. Na embriaguês do poder e da glória, se esquecem dos homens que nada têm a ofertar em troca de seus benditos milagres – nada têm, por nada possuírem. Cansei-me de esperar por um anjo que venha do céu, foram-se os malditos querubins e nunca mais voltaram para partilhar de minhas caminhadas, meus caminhos. Eu amaldiçôo todo o céu e todo o mar! Sua virtude divina e esplendorosa arrancou de mim o coração, jogou-me ao longe para morrer. Mas do que adianta, se você não voltará mais para mim?

Foram tantos os momentos alheios, acontecimentos adentrando em nossas vidas, que me esqueci de olhar em teus olhos e beijar-te ante todos nossos encontros e desencontros. Fugiu-me a lembrança de que você estava ali, ao meu lado, esperando por um dia melhor. Perdi teu abraço, e choro por não ter teu beijo. Passou o tempo, passou o mundo, mas ficou a dor. O ranger do abrir da porta da frente, a escuridão da sala e o silêncio que confirmava a sua ida sem volta. Pregaram-me essa peça, o mar e a sorte, juntos. Não posso ter sido o culpado, não posso acreditar que fora eu quem fez você me largar. Será?

Como anseio em te encontrar – dizer que te amo. Mas como dizer se não sei mais o que é amar. Nem ao menos sei se estou deitado na rede de descanso ou na rede de malha fina que me fisgou.

Adeus.

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