1.10.10

Ansioso para almoçar merda.

O nível do ridículo é imenso e a merda já havia sido jogava no ventilador a anos, mas, por algum motivo, ela só chegou a altura da boca agora. Pelo menos é a única explicação para o cheiro e o gosto horrível que estou sentindo. Devem faltar poucos instantes para a reunião e ninguém sabe muito bem do que se trata. Como todos estão acostumados, provavelmente serão péssimas notícias dadas a nós com um sorriso amarelo insuportavelmente falso e mentalmente degradante. Todos que já trabalharam em qualquer empresa sabe como é, você é chamado pela secretária da secretária do seu chefe, para uma reunião e, como todas as coisas que o chefe faz, ou melhor, quando resolve fazer algo, é urgente. Seu almoço, suas férias, sua remuneração, nada disso é tão importante quanto ouvir uma pessoa com mais dinheiro que você usurpando o seu tempo e a sua alma com aquele ar de superioridade que diz: ”estou ajudando você”. Ninguém pode ajudar outrem dando-lhe ainda mais coisas para pensar. Se algum chefe já pensou em você alguma vez na vida, tenha medo, pois será demitido. Essa é a realidade do universo capitalista em que estamos tão profundamente metidos que não entendemos, ou, muitas vezes, nem aceitamos idéias diferentes que possam vir a nos ajudar de maneiras diversas. Quem disse que aqueles que retém poder, merecem este poder? Tudo é uma questão de preguiça e medo, preparados com o auxílio de uma receita muito antiga e até hoje muito apreciada por todos da classe media alta e além. Mas o mais degradante nisso tudo são as pessoas que se alimentam dessa panela de ouro como se a desejassem, como se dissessem: “um dia estarei no topo e, então, serei mil vezes pior com os outros do que o foram comigo”. Qual a necessidade de ser mais que alguém? Ter mais dinheiro? E, se for essa a resposta, meramente infeliz na minha opinião, porque a necessidade mórbida de se ter tanto, ainda mais sabendo que a concentração de renda gera pobreza e desgraça alheia? As pessoas tendem a se preocupar apenas com o próprio nariz, ás vezes, em momentos de altruísmo heróico, podem até ajudar os familiares mais próximos, mas isso é tudo. Provavelmente, ninguém nesse escritório, alem de mim, já se perguntou até onde podemos chegar sendo usurpados de nós mesmos dessa maneira? Não que o mundo da mídia artística seja um mar de rosas, mas mesmo que fosse um mar de lixo, aqui seria o oceano mais vasto e profundo, sem dúvida alguma. Talvez a melhor maneira de explicar o fenômeno que nos ronda neste projeto de senzala é a de um nadador que mergulha na nascente do rio Tietê e acabe chegando as margens do mesmo, porém em São Paulo. Aquela ilusão preciosa de ter entrado em um caminho do qual nunca se arrependerá, uma vida completa e digna agora que encontramo-nos no lugar certo. Infelizmente nada disso é real. Somos ralé, pequenos trabalhadores sendo oprimidos por alguém que por possuir mais, materialmente, manda em nós como se nos possuísse. Esqueçamos os discursos cheios de esperanças e religiosidade, afinal se deus é justo, ele não está entre nós.

27.6.10

_ sem cobertor

____Tanto temor sem sentido deve ter um motivo para existir. O calafrio na barriga, o nervosismo que faz com que o tempo não passe e a sensação de estar sendo enganado, mesmo sem ter nada que indique isso. A insegurança é tamanha, mas as razões ainda estão encobertas por algum tecido de refinaria tão fina que nem posso me aproximar.

____Todas as luzes da casa ficam acesas nesse momento. A televisão, o computador, os abajures e – mesmo que sem razão, afinal é inverno – o ventilador. Tudo fica ligado. Já eu, fico ligado também, mas no telefone, ou no celular, com o bote preparada para quando qualquer um deles tocar. Pena de mim que sei a hora que você vai ligar, sei onde você está e com quem está, mas mesmo assim os sentimentos são irredutíveis. De alguma forma, sem contrariar a minha contradição, eu tenho plena confiança em tudo que me diz. E não poderia ser diferente. Toda insegurança é toda minha.

____Tenho certeza de que está bem e que está se divertindo. Quem sabe eu tenho ciume do seu sorriso. Não. Seria uma injustiça muito grande, minha insegurança não tem pacto com o seu sofrer. Sei que por vezes o ato de não ter certeza interfere completamente na razão de nossa coexistência e na irracionalidade do nosso amor. Mas como este não é o intuito da minha deficiência psicológica, não ache que é essa a única consequência do meu jeito de ser. E já que eu trouxe o ciúme para compartilhar este espaço, resta-me questionar se a minha insegurança anda com ele de dúvidas dadas.

____Tudo é tão complicado. Um amor encobertado. Sem segredos, seguindo a minha contradição. Então, se há confiança e há carinho, não haveria motivo para tal falta de um portuário seguro na minha consciência. Talvez se eu arrancar sem medo essa tal coberta de alfaiataria tão rara, eu venha a descobrir e entender esse nervosismo que eu passo toda vez que você não está ao meu lado. Mas e depois?

____Tendo descoberto todos os segredos, logicamente, o nervosismo vai embora e lavará consigo tantos momentos de penúria sem motivos. Nunca mais sofreria por não saber. Saberia todos seus passos, todas suas vontades, todos os seus desejos. Tudo. Descoberto. Amostra.

____Tão insensato seria se eu o fizesse de fato.

25.6.10

_ espelho desempregado

____Não agüento mais essa minha vida sem sentido. Já não tenho cara e ainda tenho que lidar com a questão de que ninguém nunca me viu realmente. Como pode? Eu estou sempre aqui, no mesmo lugar, parado e aguardando que me dêem atenção. Mas as pessoas são terríveis demais, olham para mim para enxergarem os defeitos ou as virtudes delas mesmas. Será que eu não tenho direito a uma vida mais digna? É tão descabido que chega a ser um descalabro!

____Se bem que esse é um pensamento ultrapassado. Já revi alguns conceitos e tentei entender as pessoas como são. Afinal, o tanto que eu reclamo delas, elas devem reclamar de mim – muitas vezes bem na minha frente. A verdade é que quando resolvi me acostumar com essa mania egocêntrica das pessoas, elas me respondem com uma nova atitude. De primeira achei que seria uma oportunidade para ser apreciado como me é merecido, afinal passei tantos anos no mesmo posto, sendo lembrado apenas quando as pessoas se lembravam delas mesmas. “É minha chance”, eu pensava, mas no fundo eu sabia que estava me enganando – nada vem tão fácil. E foi assim que, sem dizer uma palavra, o mundo todo virou as costas para mim. Fui demitido. Claro, vocês devem pensar: “Ah, mas é só um espelho! Quem o demitiu?”, mas foram vocês que me mandaram embora. Vocês e todos os outros deixaram de buscar imperfeições em vocês mesmos. O que, a princípio, parecia bom.

____Sem mais vontade (ou seria coragem?) de encarar a si mesmos de frente, o que fariam comigo? Até hoje não sei bem o que vocês pensam de mim, mas uma coisa se tornou clara: o motivo para tal atitude impensada e insensata só podia ser o que mais tarde se tornou imensamente claro para mim. Suas vidas não lhe eram mais interessantes. Estavam se interessando muito mais na vida dos outros e por isso não queriam mais olhar para mim – ou melhor, para vocês mesmos. Ah, mas como eu fiquei nervoso. Cheguei a tentar me quebrar contra o chão, porém isso só me traria ainda mais azar. Então permaneci com a incapacidade de entender seus feitos e me acalmei. A dúvida não saía da lembrança e insistia em me atormentar quando qualquer um de vocês parava a minha frente, sem perceber, e murmuravam palavras de ódio, inveja, e rancor contra pessoas que nem estavam ouvindo para poder se explicar; tentar amenizar a situação com um pedido de desculpas, ou simplesmente resolver tudo no tapa de uma vez. Se bem que, se fosse diferente não faria sentido mesmo. A natureza de vocês não permite que sejam sinceros muito menos verdadeiros. De tantos anos que fiquei aqui encostado na parede, captei cada nuance, cada maneirismo de todo ser que passava por mim. Como eu disse para mim mesmo uma vez, “vocês são todos iguais por fora” – e agora também o eram por dentro – e mesmo assim insistem em apontar as falhas e os erros uns dos outros. Talvez se me readmitissem tudo voltaria ao normal. É só uma dica.

____É provável que eu esteja perdendo o meu tempo ao falar sobre isso. Afinal ainda sou apenas um espelho. Mas mesmo sendo apenas o que sou – e aceitando isso de bom agrado – evoluí centenas de vezes mais que vocês. Parado aqui, em silêncio e observando o movimento. Cresci. Logicamente não o posso fazer fisicamente, pois nesses atributos, confesso, vocês são superiores. Mas sei que o meu desenvolvimento interno foi maior que o de vocês. Fiz isso sem precisar nem mover um só músculo – ou lasca. Seja como for, nem deveria ter começado com isso de novo. Mas o que eu posso fazer? Mesmo desempregado, tudo que eu sei fazer é refletir.

14.6.10

_ O amor morreu e ninguém se deu conta

Alguns acreditam em sua existência como divindade maior e geradora de nossas vidas, outros imaginam que não passa de um sentimento inventado por burgueses - pois seriam os únicos com tempo e dinheiro para resistir a um casamento, por exemplo. Mas o mais interessante é que independente dos prós e contras, todos querem obter um amor, ou o amor. Infelizmente, o que venho relatar é que o amor morreu faz muito tempo e ninguém deu conta da sua ausência até então. Como eu sei disso? Da mesma maneira que uma mentira é contada várias vezes para se tornar uma verdade, a verdade proferida excessivamente acaba virando uma mentira. E hoje, mais que nunca, dizer que ama alguém se tornou um cumprimento e não mais uma demonstração de carinho e afeto diferentemente maior que o comum. Amigos se amam, amantes se amam; até mesmo inimigos se amam. Não que amar seja ruim, mas tudo em excesso tem seus efeitos colaterais. Todos estão falando, mas ninguém está amando. Nossa desesperada busca pelo calor incomensurável que trás consigo o amor, fez com que nós o sufocássemos até a sua morte. Matamos o amor pelo amor ao amor, afinal nada é mais obcecado e eticamente incorreto que o amor. Essas crianças sem pretensão a mudanças bruscas, sem vontades revolucionárias nunca amarão. O amor é para os loucos, para os desesperados e radicais. O amor livre já não é amor na sua essência, pois o amor é uma prisão da qual possuímos a chave. Esse amor libertário (ou libertino?) definha e maltrata o coração verdadeiramente apaixonado, pois não completa, não aquece, não aprisiona. Porém é por essa falta de amor verdadeiro em sua mistura que o "amor livre" conseguiu tornar-se hoje tão brando em tantas camadas sociais e tribos diferentes; e graças a isso ninguém se deu conta de que o amor morreu ao invés de ter ressuscitado de forma abrangente e sem recriminações - o que é absurdo, pois nada é mais discriminador e preconceituoso do que o conceito do amor verdadeiro. O amor é um ditador que diz quem devemos amar, como devemos agir, quem devemos ser. E não adianta acreditar na ranzinzes ou na arrogância para escapar da ditadura do amor, pois os maiores "durões" da história não passavam de garotos e garotas afogados em amor por seus ideais, idéias ou cônjuges. Vinícius mesmo, com sua famosa "Que não seja imortal, posto que é chama", afogou-se inúmeras vezes no mar do amor, pois era uma chama que ardia muito mais forte que seus próprios pensamentos e vontades - casado quase dez vezes. O amor é casca grossa e não dá mole pra ninguém. Faz-nos amar o impossível, nos faz desejar o inalcançável e nos abandona com a depressiva solidão. Talvez o amor tenha morrido, pois era muito rígido. Mas a verdade é que sentimos falta dessa pressão, seja mínima ou abusiva; desse frio na barriga, dessa falta de saliva, do suor nas palmas das mãos e da palpitação exacerbada do coração que nos gagueja a fala. E por mais que seja difícil para alguns entender a prisão enriquecedora que é o amor, essa é a verdade e sua busca infindável: reviver o amor que um dia você matou.