_ cântico à raiva

a sua raiva,
que ela venha e vá

já a minha é amiga
é boa companheira

a sua raiva
ela é só de brincadeira

já a minha é parceira
é a minha cegueira

a minha nunca vai me deixar
a minha nunca vai passar

e no dia que eu morrer
com ela vão me interrar

_ sonhos meus (ou seus?)

sempre tive muitos
mas poucos realizei
sonhei os dos outros
os meus só guardei

fiz o que pude por eles
desisti do meu destino
porém, me sinto um cretino
quando não os concretizo

e se os sonhos são deuses
descobri que sou ateu
realizo o seu sonho
e esqueço-me do meu

só espero que se lembrem
antes que seja tarde
antes que eles aglomerem
e eu fuja como um covarde

enfim, são de sonhos
que somos todos feitos
mas do que será feito, então,
um cara como eu?

_ na cobertura

será meu maior medo
o de estar ao seu lado,
pois seria assim inevitável
uma maneira de lhe perder?

afinal nosso ócio é prazer!
posto o tempo sendo eterno
haverá então a rotina...
e aí o que se pode fazer?

mas a dúvida é cruel
e o desejo sua parceira infiel,
que se beijam longamente,
e penso: "como seria com a gente?"

_ coisa, é! [parceria com Bruna Escaleira]

É coisa!
Homogênea...
Tipo uma receita
sem gosto de início
Já do meio (metade).
Pulularam os sentidos
de cantos escondidos
não sentiram-se excluídos
nem um pouco de saudade

Deveras, é coisa!
Simplesmente coisa...
Daquelas heterogêneas
mais contraditórias
que não tem receita pra ditar,
nem partitura pra ensaiar.
É coisa só por ser
e mesmo sem saber:
É e só há de ser

Um botão,
talvez...
Que tecla cada tecla já teclada,
sem definição.
Não furta sentidos, intensifica
essa complicação
Fora a briga da vizinha
que não liga pro não.
Será que é mais confusão?
Ou uma tecla sem função?

Desfeita
ou rarefeita...
Pequena ilusão de bolso.
Em busca de uma cilada,
cai de queda gargalha
sobre almofada arrumada.
Coisa caos, desfeita na feitura
d'um fazedor disfarçado.